30 de junho de 2009

Soho no Transport

Eram duas mulheres transpirando no Transport, equipamento que promete queimar 500 calorias em uma hora. Vestidas com roupas tecnológicas, grife aparente, ambas carregavam grossas alianças douradas nas mãos, fazendo questão de mostrar que eram casadas. Elas falavam, como falam todas as mulheres, até mesmo quando estão se exercitando. E uma delas disse:

- Eu vou passar o dia inteiro no Soho. Vou chegar de manhã e só vou sair à noite.

A antropóloga, que escuta a conversa atentamente enquanto queima suas próprias calorias, começa a pensar nas razões profundas que levam uma mulher a querer passar o dia inteiro num cabeleireiro. Seria insegurança? Vaidade? Falta de amor próprio? Demonstração de status? Quando está quase chegando a uma conclusão sobre o assunto, o diálogo entre as duas mulheres é retomado:

- E (arfando) no dia seguinte, eu vou passear no Central Park.

A antropóloga respira aliviada. Apesar de falarmos a mesma língua nem sempre (ainda bem!) nos entendemos.

Como derrubar certezas e inquietar pensamentos

Um curso novo.
Para quem quer aprender a ver o mundo a partir de outros pontos de vista.

http://www.espm.br/inovacao/curso_como_derrubar_certezas_e_inquietar_pensamentos.asp

21 de junho de 2009

cultura e tecnologia

Foto: Maíra Santi Bühler, Nigéria, maio de 2009.


Quem disse que é preciso escolher entre viver plenamente sua cultura e usufruir tecnologia de ponta? Os objetos que escolhemos para nos relacionar com o mundo nem sempre têm o mesmo valor e o mesmo significado para todas as outras pessoas. As coisas só fazem sentido dentro de um contexto: culturas diferentes, significados diferentes.

antropologia é preciso



Toda essa história da mulher que virou homem, que virou mulher de novo - por dentro - para ter filhos porque sua mulher não podia gerar, nos faz pensar algo que para antropologia é fundamental: a idéia de gênero é socialmente construída e não naturalmente dada.
Ser mulher no Brasil é diferente de ser mulher na Melanésia, que é diferente de ser mulher na França, que é certamente diferente de ser mulher no Irã ou entre os índios Tapirapé. Cada dia mais nos convencemos de que para compreender o mundo dos outros, antropologia é preciso.

10 de junho de 2009

Mulher moderna?

Ela não sabia como se classificar e nem queria saber. Classificações não faziam sentido para ela. Há de se ter cuidado com os rótulos, sempre. Mas sim, ela tinha 30 anos, um filho, um emprego, um marido, um apartamento na zona oeste de São Paulo e se achava uma mulher moderna.

Naquela manhã de quarta-feira, enquanto o bebê brincava, ela falava e arrumava a cama. Com uma mão enfiava o lençol debaixo do colchão, com a outra repetia a ação cotidiana de impedir catástrofes na vida do filho - a criança tinha acabado de aprender a andar.
Os dois, mãe e menininho, viviam ali a cena cotidiana da ausência do pai que saía mais cedo e chegava mais tarde. Mas era um pai participativo: trocava fraldas, levava para passear, dava banho, dava comida... quando estava por perto. Naqueles dias nos demos conta do que significa ser um pai participativo: significa ajudar, quando dá.

A vida era uma correria: de manhã ela deixava o menino na casa da sua mãe, dava suas aulas de inglês, voltava correndo, almoçava correndo, levava o menino de volta para casa, recebia a sogra que chegava para ajudar, saía, dava mais aulas, voltava para casa, preparava o jantar, o menino chorava, a sogra falava compulsivamente, o menino dormia e só aí o marido chegava.
Mulher moderna? E ela dizia que, pensando bem, se tivesse que escolher entre ser mulher moderna e ter filhos, ela preferia ter filhos. E que se você pensar bem, mulher moderna é como todas as outras, vive equilibrando pratinhos para dar conta de tudo. Para ela, assim como para tantas outras, mulher moderna é a mulher tradicional, só que com dupla jornada. Mulher moderna são todas as mulheres, com todos os anseios de ser independente e ter vida profissional, mais todos os anseios de ser esposa e de ser mãe, mais todas as sogras e todas as mães e todas as babás para ajudar a segurar a onda...

maçãs são boas para pensar



Há muitas formas de se pensar e agir sobre maçã, sobre um tomate, sobre temperos e especiarias. Uma maçã, por exemplo, pode virar um suculento strudel; pode se transformar em compota se acrescida de açúcar, pode virar um purê servido com prato salgado, pode ser comida pura, mordida, raspada ou transformada em suco. Isso quer dizer que uma maçã nunca é apenas uma maçã, assim como uma comida não é somente uma comida. 

Por trás de uma aparente combinação de ingredientes está escondida uma estrutura social, que classifica o alimento em algo comestível - ou não - , que estabelece regras relativas ao seu uso - lavar, cortar, descascar, fritar ou comer cru - outras relacionadas ao seu valor simbólico fe outras, relacionadas ao entorno da cozinha - comer à mesa, em pé, acompanhado, sozinho, em casa, na rua etc.

Por isso um antropólogo sempre dirá que não comemos simplesmente comida; ao comer estamos afirmando certas escolhas e classificações que podem ajudar a revelar formas diferentes de ver e entender o mundo. Fazer uma observação atenta sobre a comida e os processos culinários de pessoas diferentes é também fazer uma etnografia de como as sociedades observam e classificam os sentidos humanos. Gosto, paladar e cheiro deixam de ser entendidos apenas como reações orgânicas e adquirem um sentido cultural, revelando um conjunto de conhecimentos úteis para captar e ordenar e entender o mundo em que vivemos.

8 de junho de 2009

Maria


Ela se pergunta se o seu cabelo fica bom assim. Ela desafio o crespo, ela desafia as cores, ela se quer loira. Ela vai no salão uma vez por semana porque, hoje em dia, ela já não é mais aquela mulher de antigamente. Ela se olha no espelho, se sente bonita e leve.


Os filhos dela cresceram e ela ganhou liberdade e vontade de viver. Ela começou a trabalhar, ganhou independência e, hoje, quem vai proibir uma mulher independente de sair sozinha? Ela ensinou para eles o que é bom e o que é ruim. Eles aprenderam que podem fazer tudo na vida. Só não podem matar, roubar e fumar droga.

Ela sonha em comprar um carro e dirigir, em ter um neto e em ter saúde, ela pede a Deus que Ele lhe dê jeito de viver tranqüila.